Professor do IHAC critica artigo “homofóbico” publicado nos jornais
O texto intitulado Totalitarismo e intolerância, publicado no último dia 1º de junho nos jornais A Tarde, O Globo e O Estado de S.Paulo e Gazeta do Povo, do professor Carlos Alberto Di Franco, levou o professor do IHAC, Leandro Colling, a escrever um texto, chamado De quem é a intolerância?, como uma maneira de responder às análises feitas por Di Franco (leia a íntegra dos dois textos abaixo). Colling considera o texto de Di Franco homofóbico.
O texto de Colling foi encaminhado há uma semana aos mesmos jornais e até a presente data somente O Estado de S.Paulo publicou o texto do professor na sua versão on-line. “Interessante é que Di Franco diz que, se o Conselho Federal de Jornalismo tivesse sido criado, o texto dele não seria publicado. O que esse caso mostra é o contrário. Talvez pelo fato de não termos um Conselho, os jornais não se sintam na obrigação de publicar o meu texto ou de qualquer outro que não concorde com ele”, disse Colling.
Para Colling, o texto de Di Franco “é fruto de um pensamento conservador, disciplinador (no pior sentido), totalitário e intolerante”. Di Franco defende que o governo federal, ao pretender incluir nos livros didáticos a temática LGBTT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais), quer “impor à sociedade um modo único de pensar, de ver e de sentir” e o que se pretende com isso seria “um proselitismo de uma opção de vida”.
Colling rebate: “Pregar o respeito à diversidade sexual não é um “proselitismo de opção de vida”, mas a defesa do respeito à diferença. E ser LGBTT não é uma opção, pelo menos não no sentido de que é plenamente possível o indivíduo optar por determinada orientação sexual ao seu bel prazer.”
Colling é coordenador do grupo de pesquisa Cultura e Sexualidade (CUS), que integra o CULT (Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura), ligado ao IHAC. O texto de Colling também foi publicado no site do Observatório da Imprensa (ver em http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=543IMQ001).
De quem é a intolerância?
Leandro Colling – jornalista, professor adjunto do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor (IHAC) Milton Santos, da UFBA, onde coordena o grupo de pesquisa Cultura e Sexualidade (CUS)
O artigo publicado em vários jornais (A Tarde, O Globo, Estado de S.Paulo e Gazeta do Povo – ler abaixo), no último dia 1º de junho, com o título Totalitarismo e intolerância, do jornalista e professor Carlos Alberto Di Franco, é recheado de contradições e fruto de um pensamento conservador, disciplinador (no pior sentido), totalitário e intolerante.
O autor, para tentar persuadir o leitor, tenta ligar duas questões distintas para reforçar o preconceito contra a comunidade LGBTT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transgêneros) e, de uma forma mais geral, contra a discussão da sexualidade nas escolas. O texto poderia ser desconstruído de várias maneiras, mas, em função do espaço, vou eleger apenas algumas.
Di Franco tenta sustentar o argumento de que estamos vivendo “uma onda de intolerância” porque “discriminados assumem a bandeira da discriminação”. Isso porque o governo federal deseja que a temática LGBTT seja incluída nos livros didáticos e que os professores sejam capacitados para combater a homofobia nas escolas. O que é um avanço no combate à intolerância, capaz até de diminuir um alto índice de suicídios entre os jovens, motivados pela homofobia no ambiente escolar, Di Franco chama de “espasmo de totalitarismo”, pois o governo estaria fazendo um “proselitismo de uma opção de vida” e que a escola, via materiais didáticos, não deveria “formatar a cabeça dos brasileiros”.
Ora, em primeiro lugar, quem deseja formatar (ou manter formatada) a cabeça das pessoas é Di Franco. Pregar o respeito à diversidade sexual não é um “proselitismo de opção de vida”, mas a defesa do respeito à diferença. E ser LGBTT não é uma opção, pelo menos não no sentido de que é plenamente possível o indivíduo optar por determinada orientação sexual ao seu bel prazer.
Todos nós, inclusive os heterossexuais, possuímos uma orientação sexual (que pode ser também uma que transite entre as várias possíveis), adquirida ao longo dos nossos processos de formação de nossas identidades, o que é realizado, em boa medida, de forma inconsciente.
A sociedade impõe, exige, apenas uma orientação, ou seja, quer que todos sigam a heterossexualidade, por isso ela mesma também não é uma opção, pois é compulsória. No entanto, centenas de pessoas acabam por não se adequar nessa heteronormatividade e sofrem sérias conseqüências. E é por causa delas que o governo, muito tardiamente, começa a criar políticas públicas para combater o preconceito.
Di Franco diz que o governo deve combater os “abusos da homofobia”, mas “não pode impor um modelo de família que não bate com as raízes culturais do Brasil e sequer está em sintonia com o sentir da imensa maioria da população”. Eu gostaria de saber o que ele entende por abusos de homofobia. Pode discriminar, desde que não mate? Esse seria o único abuso a ser combatido? O modelo de família que temos no Brasil e no mundo também é uma imposição, construída por um regime de poder que Di Franco representa muito bem. Regime esse que não consegue conviver com o diferente.
Ironicamente, esse regime se revela também como uma construção cultural exatamente nesses momentos, pois o texto de Di Franco mostra como a heternormatividade precisa ser diariamente reforçada para continuar sendo a norma preponderante, que tenta, a qualquer custo, aniquilar o diferente através da coerção e da manutenção da hierarquia de uma norma sobre os outros.
Por fim, ainda é preciso tratar sobre o outro exemplo do texto de Di Franco, a polêmica questão do livro, adotado pelo governo de São Paulo, que conteria palavrões. Não conheço o livro, que realmente pode ser inadequado para a faixa etária proposta. No entanto, até quando a escola continuará sem discutir profundamente a sexualidade? Por mais que o poder conservador e disciplinador tente o contrário, a sexualidade é tema recorrente nas conversas dos alunos e alunas. Se o professor não fala, os estudantes falam, e muito, e inclusive praticam, cada vez mais cedo e com mais intensidade. Tudo isso sem a devida orientação, tanto para heterossexuais ou não. E assim vemos aumentar o índice de doenças sexualmente transmissíveis entre os adolescentes. Ou Di Franco seria um defensor do sexo somente depois do casamento e apenas com fins procriativos? Não duvidaria nem um pouco dessas possibilidades, dadas as suas filiações ideológicas e religiosas conhecidas (ser membro da Opus Dei, por exemplo), novamente evidenciadas em um dos seus textos.
Totalitarismo e intolerância
Carlos Alberto Di Franco
Dois episódios recentes, em Brasília e São Paulo, desnudam a visão totalitária e a intolerância ideológica que dominam estratégias de longo alcance na formação das novas gerações.
Comecemos por Brasília. O governo quer que sejam incluídos nos livros didáticos a temática de famílias compostas por lésbicas, gays, travestis e transexuais.
Ainda na área da educação, recomenda cursos de capacitação para evitar a homofobia nas escolas e pesquisas sobre comportamento de professores e alunos em relação ao tema. Essas são algumas das medidas que integram o Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais), documento firmado por representantes de 18 ministérios do governo Lula. “É um marco na busca da garantia dos direitos e cidadania”, afirmou o secretários de Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, durante o lançamento do plano
Vamos, caro leitor, a São Paulo. A Secretaria Estadual da Educação distribuiu em escolas um livro com conteúdo sexual e palavrões, para ser usado como material de apoio por alunos da terceira série do ensino fundamental (faixa etária de 9 anos). O livro (“Dez na Área, Um na Banheira e Ninguém no Gol”) é recheado com expressões como “chupa a rola” e “chupava ela todinha”. São 11 histórias em quadrinhos, feitas por diferentes artistas, que abordam temas relacionados a futebol – algumas usam também a conotação sexual.
O governo de São Paulo afirmou que houve “falha” na escolha, pois o material é “inadequado para alunos desta idade”. Ótimo. Reconhecer o erro é importante.
Mas, aparentemente, o governo entende que o conteúdo seria adequado para alunos de outra faixa etária.
Lamentável! É assim que se pretende melhorar a qualidade de ensino? São Paulo que foi capaz de produzir uma USP assiste hoje à demissão do dever de educar. A pedagogia do palavrão e a metodologia da obscenidade estão ocupando o lugar da educação de qualidade.
Espero, sinceramente, que o episódio seja pontual e que o governador José Serra, homem de sólida formação acadêmica, e seu secretário da Educação, o ex-ministro Paulo Renato, tomem providências definitivas.
Na verdade, amigo leitor, uma onda de intolerância avança sobre a sociedade.
Discriminados assumem a bandeira da discriminação. O tema da sexualidade passou a gerar novos dogmas e novos tabus.
E os governos, num espasmo de totalitarismo, queremimpor à sociedadeum modo único de pensar, de ver e de sentir.
Uma coisa é o combate à discriminação, urgente e necessário. Outra, totalmente diferente, é o proselitismo de uma opção de vida. Não cabe ao governo, com manuais, cartilhas e material didático, formatar a cabeça dos brasileiros.
Tal estratégia tem nome: totalitarismo.
O governo deve impedir os abusos da homofobia, mas não pode impor um modelo de família que não bate com as raízes culturais do Brasil e sequer está em sintonia com o sentir da imensa maioria da população.
Se tivessem aprovado o Conselho Federal de Jornalismo, uma frustrada tentativa de garrotear a liberdade de imprensa e de expressão, eu, certamente, não publicaria este artigo. Não conseguiram.
Felizmente. Escrevo com absoluta liberdade. E outros, que de mim discordem, podem defender seus pontos de vista com a mesma liberdade.
A intolerância atual é uma nova “ideologia”, ou seja, uma cosmovisão – um conjunto global de ideias fechado em si mesmo –, que pretende ser a “única verdade”, racional, a única digna de ser levada em consideração na cultura, na política, na legislação, na educação, etc. Tal como as políticas nascidas das ideologias totalitárias, a atual intolerância execra – sem dar audiência ao adversário nem manter respeito por ele – os pensamentos que divergem dos seus “dogmas”, e não hesita em mobilizar a “inquisição” de certos setores, para achincalhar – sem o menor respeito pelo diálogo – as ideias ou posições que se opõem ao seu dogmatismo.
Aborrece-me a intolerância dos “tolerantes”.
Incomoda-me o dogmatismo das falanges autoritárias. Respeito a divergência e convivo com o contraditório.
Sem problema. Mas não duvido que é na família, na família tradicional, mais do que em qualquer outro quadro de convivência, o “lugar” onde podem ser cultivados os valores, as virtudes e as competências que constituem o melhor fundamento da educação para a cidadania.