Diretor do IHAC publica carta aberta em defesa dos Bacharelados Interdisciplinares e da UFBA

Diretor do IHAC publica carta aberta em defesa dos Bacharelados Interdisciplinares e da UFBA

Em Defesa dos Bacharelados Interdisciplinares
Em Defesa da UFBA

Colegas, amigos e amigas,

No mês de novembro de 2024, o Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos – IHAC completará seus 16 anos. Como resultado do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), O IHAC foi criado como unidade universitária em 2008 (Resolução nº 07/08, do Conselho Universitário), com o objetivo de sediar academicamente os Bacharelados Interdisciplinares e programas de pós- graduação, orientados por uma visão multi, inter ou transdisciplinar do conhecimento. Foram criados quatro (4) novos cursos na modalidade bacharelado interdisciplinar (BI em Saúde, BI em Humanidade, BI em Artes e BI em Ciência & Tecnologia). Hoje, com um total de entrada anual de 1300 estudantes, e com 70% desses em cursos noturnos.

O IHAC é um dos maiores institutos da Universidade Federal da Bahia (UFBA) em número de estudantes. São mais de 5.000 estudantes ativos na graduação. E ao longo desses anos, foram mais de 29.000 vagas preenchidas. Apesar dos inúmeros desafios e obstáculos para sua consolidação, este Instituto, juntamente com as políticas afirmativas da universidade, vem buscando contribuir para os processos de inclusão social e transformação de vidas. Além de tudo, temos acumulado uma série de experiências no campo das artes, ciências e humanidades. Por tudo isso, é um tempo também de celebração.

Entretanto, não podemos nos silenciar diante dos obstáculos e desafios atuais que se colocam para o nosso instituto e, por extensão, para toda a UFBA. E aqui, estou me referindo mais especificamente às dificuldades no processo de passagem BI-CPL Medicina. Muitas pessoas da comunidade UFBA têm recebido e compartilhado notas do IHAC e da Faculdade de Medicina, como também várias notícias de jornais. Uma série também de notícias equivocadas surge de todos os lados. Dessa forma, é importante que possamos limpar este terreno, buscar uma unidade possível como comunidade UFBA para enfrentar toda tentativa de retrocesso que vem de fora. Neste caso particular, as ações judiciais que vêm colocando em risco a política de cotas. É hora de criarmos uma grande frente de trabalho para enfrentarmos esse problema. As cotas são asseguradas por lei federal, e assim devem continuar. Nossos e nossas estudantes cotistas que vão para a Medicina o fazem através de novo processo seletivo, e como tal estão protegidos/as por lei. A este combate, portanto, não cabe apenas as vozes da Medicina e do IHAC, mas precisa de um esforço coletivo de proteção da universidade, das políticas públicas, enfim, das nossas políticas de proteção social.

A mim, estranha o fato de buscarmos atalhos mais fáceis para a resolução desse problema e de outros tantos que nos atingem como universidade pública e de qualidade. Sinto uma tristeza profunda por vermos nossas relações institucionais se esgarçando, quando podíamos nos fortalecer para combater o que deve ser combatido. Este é o bom combate! A suspensão provisória do curso de Medicina na passagem BI-CPL não resolve o problema da judicialização, tampouco o “excesso de estudantes” que a Medicina vem enfatizando como problema para a qualidade da formação médica. A busca por melhores condições de ensino e por boas práticas deve fazer parte do cotidiano da universidade, articulada à luta por mais acesso à saúde e em defesa do SUS. A suspensão também não resolverá essa situação. Estudantes também continuarão a entrar no curso nos anos de 2025, 2026 e 2027. E mais, é possível que as ações judiciais continuem mesmo em 2028, utilizando-se inclusive da resolução 02/2008, do antigo CONSEPE.

Precisamos, urgentemente, atualizar e unificar uma série de normas dispersas sobre os bacharelados interdisciplinares e seus processos seletivos, inclusive para que fique mais explícita a “passagem” BI-CPL como um processo seletivo próprio e específico, e, portanto, levando em consideração a lei de cotas. Aliás, é justamente por esta razão que o Edital 009/2024 de 19 de agosto de 2024, do Gabinete da Reitoria da UFBA, para este processo seletivo, estabelece no item 2.3: “O candidato inscrito neste processo seletivo terá como modalidade de cota de inscrição a mesma em que ingressou no BI da UFBA”. Enfim, os argumentos que embasam as demandas judiciais e os que dão suporte à decisão pela liminar são frágeis, superficiais e citam normativas obsoletas. A solução para evitar as judicializações é o aperfeiçoamento e consolidação da base normativa e dos processos seletivos correspondentes. A solução para o reiterado desrespeito ao preceito constitucional da autonomia universitária deve se basear na contestação judicial competente. Precisamos, assim, encontrar novos caminhos, tendo como aliados outros atores, do campo jurídico e dos movimentos sociais, para proteger a política de cotas. Esta é também uma defesa da Universidade Federal da Bahia como um todo. E diria mais, a defesa por uma sociedade mais justa e equânime.

Colegas, amigos e amigas, confesso um cansaço que me atinge como um todo. Mas não posso e não devo me silenciar nesse momento. O IHAC vem buscando, assim como a Medicina, encontrar respostas para os seus e nossos problemas. Mas repito, se a resposta definitiva não é fácil, isso não significa que devamos desistir, retroceder ou sair da batalha. Vimos destacando incansavelmente que os BI podem contribuir para uma melhor formação universitária, conectada aos desafios do mundo contemporâneo. E isso se aplica à formação médica. Nessa empreitada, somos parceiros e parceiras de luta.

Ao longo desse período, colegas do BI em Saúde vêm buscando fazer seu melhor, discutindo aspectos do cuidado à saúde e colocando os princípios do SUS nas pautas de discussões. E ainda que todos/todas encontrem-se exaustos e exaustas, não desistem. A concorrência por notas, gerando disputas e sofrimentos, foi enfrentada em comissões no IHAC e no CAE. Por consequência, foi criada uma nova resolução com critérios de passagem sem incluir notas dos componentes curriculares – a resolução 11/2022 do CAE, a ser aplicada aos egressos/as a partir do semestre 2025.2. Sabemos que esses critérios podem e devem ser aprimorados, inclusive, se for o caso, com a utilização de exames progressivos. Mais uma vez, portanto, não faz sentido suspender um curso quando a UFBA vem buscando alternativas.

Destaco, também, o trabalho da comissão especial do CAE, criada em dezembro de 2023, para pensar propostas de enfrentamento do problema de judicialização. Infelizmente, o relatório como um todo não foi considerado, apenas a minuta da Medicina foi levada às congregações para apreciação. O relatório aponta uma outra proposta de transferência interna a partir de uma área de concentração (AC). Mais uma vez, é preciso destacar que outras alternativas vêm sendo apontadas, mas que, certamente, não substituem a criação de uma comissão permanente de luta a favor das cotas e que possam reverter as decisões judiciais. Há colegas também que vêm sugerindo a diminuição do número de vagas no SISU para o curso de Medicina, e consequentemente do número de ingressantes via BI, sem atingir o mínimo de 20% que deve ser oferecido por todas as unidades da UFBA, conforme a resolução 02/2008, do antigo CONSEPE, como uma forma imediata de minimizar os danos da judicialização. Ora, sabemos que são 32 vagas de egressos do BI em Saúde para o curso de Medicina. Dessas vagas, 16 são para cotistas, mas alguns/algumas possuem nota suficiente para entrar via ampla concorrência. Matematicamente, existe um limite no número de não cotistas que entram por processos de judicialização, que possuem nota superior a cotistas, alegando a falsa tese de “cota sobre cota”, ou seja, “bis in idem” (“duas vezes o mesmo”).

Em relação ao argumento de que o projeto do bacharelado tem sofrido uma distorção, devido ao desejo quase exclusivo dos/das estudantes pelo curso de medicina, é importante fazer algumas ressalvas. É justo e lícito o desejo de estudantes “pelo curso de medicina”. Porém, isto não é tão “exclusivo” como se diz, pelo menos não para o curso de Medicina em Salvador. Com efeito, a análise do número de estudantes do BI em Saúde, inscritos para a seleção em Medicina em Salvador, demonstra que foi, em média, de 77 por ano, para os anos de 2021 a 2024, para 32 vagas de Medicina oferecidas anualmente. Isto corresponde à média de 42% dos/das estudantes do BI em Saúde inscritos, por ano, em Medicina, variando de 62 para o total de 167 inscritos em todos os cursos (37,1%) em 2022, a 81 de 175 inscritos (46,3%) em 2024. Para o curso de Medicina em Vitória da Conquista, a situação é bem diversa. Oferecendo apenas nove vagas em Medicina para os/as egressos/as do BI em Saúde, a proporção de inscritos para a Medicina alcança, em média, 97% de estudantes inscritos do BI em Saúde no IMS-CAT.

É evidente que se faz necessário aplicar um processo seletivo para o ingresso ao curso de Medicina dos/as concluintes do BI em Saúde, de acordo com edital próprio e respeitando a lei de cotas, como tem sido feito. Dessa forma, não há coisa alguma que justifique as judicializações apenas pelo maior “desejo dos estudantes” do BI em Saúde. O que, sim, deveria ser revisto é o conjunto dos critérios e mecanismos de seleção que têm sido adotados para que se evitem “distorções” e efeitos danosos aos/às discentes e às relações entre discentes e docentes. Certamente, conforme destaquei, essa revisão tem ocorrido e deve ser aprimorada. Da mesma forma, não há nada que impeça que os projetos pedagógicos sejam revistos e aperfeiçoados, caso se identifiquem distorções no cumprimento de seus objetivos.

Não podemos deixar da falar sobre as novas possibilidades de acesso e formação universitária de estudantes cotistas, ingressos/as no curso de Medicina, via BI em Saúde. São mudanças qualitativas que devem ser consideradas e merecem a atenção de todos e todas nós. Precisamos, inclusive, de relatórios e documentos da PROAE sobre essas novas possibilidades, considerando o quadro desigual de vulnerabilidade e as diferenças de escores entre cotistas que entram na Medicina via SISU e os/as que entram no BI em Saúde.

Colegas, amigos e amigas, essa é uma luta comum a todos e todas nós que defendemos uma outra universidade possível, pública e de excelência. Ao retirar o curso de Medicina do BI em Saúde, a UFBA estará expondo a incapacidade de encontrar soluções para os processos seletivos e para o aperfeiçoamento dos Bacharelados Interdisciplinares, tanto pedagogicamente quanto normativamente, algo impensável para uma universidade.

Portanto, não é hora de divisões internas, mas de alianças e busca de unidade. Não é hora de retrocessos, mas de luta por avanços. Os bacharelados interdisciplinares devem ser cuidados e aprimorados como projeto de universidade. Isso não significa exclusividade em projetos interdisciplinares. Mas significa que estamos todos e todas imbuídos e imbuídas em construir um presente possível e um novo futuro para a UFBA.

Cordialmente,

Luís Augusto Vasconcelos da Silva
Diretor do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos – IHAC.