A Tarde publica artigo de professora

O jornal A Tarde,  na edição do dia 9 de maio, publicou um artigo da professora Marilda Santanna, do IHAC. O texto trata sobre a obra do compositor e cantos Dorival Caymmi. Leia a íntegra do texto abaixo.

As baías de Caymmi

Jornal A Tarde, 30/04/2010 – Caderno 2

MARILDA SANTANNA

Meu primeiro contato com a obra de Dorival Caymmi me reporta aos sete anos de idade, no dia em que, brincando na Boa Vista de Brotas, bairro que me criei até os 13 anos, escolho para cantar no cabo de vassoura ao lado de amigas a canção Rosa Morena.

Daí em diante, a vida e a obra de Caymmi passam a fazer parte da minha vida também como uma trilha sonora, da qual cada canção me lembra um momento especial e único.

Coincidências à parte, a mesma canção serve de objeto de estudo para João Gilberto plasmar o que se tornou a Bossa Nova, registrada no seu primeiro álbum, Chega de Saudade.

Figura singular na música popular brasileira, Dorival Caymmi, que completaria hoje 96 anos, nos brindou e continua nos brindando com pérolas musicais que transitam entre a tradição e a contemporaneidade, tal qual um vinho, que, quanto mais velho, mais apurado seu sabor e bouquet.

Caymmi, ao pegar “um Ita no Norte e ir pro Rio morar”, no dia 1º de abril de 1938, leva na bagagem algumas poucas canções praieiras, O Mar, Itapoã e Noite de Temporal. Mas é na então capital federal, na Baía de Guanabara, que praticamente toda sua referência sobre a cidade da Bahia é plasmada. A Bahia paradisíaca, solar, sensual e festeira inventada por Dorival Caymmi transita entre estas Baías.

No mar

A malemolência do ritmo – e os próprios requebros e interjeições verbais do cantor/autor – lubrificam a libido dos versos, que podem conjugar a mulher e a terra como única celebração.

As mulheres de Caymmi são cheias de dengo e senhoras de si, são mulheres que tem pano da costa, tem balangandãs, tem dengo, tem um requebrado, tem segredo, sempre no presente do indicativo.

Diferentemente do que prega o senso comum, a maioria da obra de Caymmi que se refere ao mar trata do trabalhador na lida e os perigos enfrentados neste ambiente, como pode ser observado nas canções Noite de Temporal, A Jangada Voltou Só, O Mar, dentre outras.

Mas em Canoeiro, pode-se observar um Caymmi iconográfico, rítmico com o refrão “cerca o peixe, bate o remo / puxa corda, colhe a rede / ô canoeiro, puxa a rede do mar”.

Singular

Canções como Saudade da Bahia, 365 igrejas, São Salvador, Samba da Minha Terra, dentre muitas outras, refletem uma Bahia tradicional, como pode ser observada em Você Já Foi a Bahia?.

Um lugar cuja tradição está em sua topografia, geografia, arquitetura, na culinária, nas festas tradicionais como a de Nosso Senhor dos Navegantes e na canção Festa de Rua, que retrata batuque, capoeira e candomblé.

A cidade de Caymmi é a cidade da festa, das ladeiras, da alegria, da celebração.

Os próprios samba-canções muito em voga na década de 1940 e 1950 são bastante representativos na obra de Caymmi, em temas não mais povoados de personagens e mitos da Bahia. Ao contrário: os dramas psicológicos urbanos, contemporâneos tais como, Não tem Solução, em parceria com Carlos Guinle, Você Não Sabe Amar, com Carlos Guinle e Hugo Lima, Só Louco, Nunca Mais, Nem Eu são consideradas as mais emblemáticas deste período.

Estas canções assumem o proscênio, imprimindo à obra de Caymmi uma contemporaneidade condizente com a própria Bossa Nova, que se utiliza de sua obra para atualizar o discurso estético musical dos anos de Juscelino Kubitschek.

Assistindo ao show de Dorival Caymmi em comemoração dos seus 70 anos em Salvador, em 1984, ao lado de Tuca de Morais, mais uma vez a sua obra serve de inspiração na minha trajetória. Naquele momento surge o embrião do que veio a ser o Projeto Trofeú Caymmi comemorando em 2010, 25 anos de existência. Posso me arvorar a afirmar que a própria atualização da obra do “Buda Nagô” se dá por esta dimensão.

Assim, uso as palavras do mestre para atualizar a sua obra e o seu nome e finalizar esta justa homenagem. “É gratificante encontrar entre os selecionados do Troféu Caymmi novos valores e novos nomes para reeditarem o sucesso dos brilhantes baianos que há tantas décadas vem levando o nome da Bahia pelo Brasil e mundo afora”. Axé, Caymmi!