3° Fórum Negro de Artes e Cultura acontece em março na UFBA
Em 2019, o Fórum Negro de Artes e Cultura (FNAC) chega à terceira edição e será realizado de 18 a 22 de março em vários pontos da UFBA. O evento traz como temática Xirê dos saberes: (Re) Conhecer, Existir, uma referência à festa pública do Candomblé, onde os Orixás são homenageados ao mesmo tempo. O fórum explorará a multiplicidade de saberes afros em diversas perspectivas, tanto nas artes, quanto na filosofia e outras linguagens.
Deflagrado em 2017, pela Escola de Teatro, emerge de uma insatisfação coletiva – dos estudantes da graduação, estudantes da pós-graduação e alguns professores engajados – referente ao recalcamento dos conhecimentos afro-referenciados na Universidade Federal da Bahia e práticas de um racismo institucional em suas instâncias.
Nessa edição o Fórum contará com várias ações durante os cinco dias de evento, como oficinas, conferências, ciclos de leituras dramáticas, Feira Afro, exposição de trabalhos acadêmicos, mesas de discussão, painéis de artes, cinema negro e lançamentos de livros.
O evento faz também uma homenagem aos 75 Anos do Teatro Experimental do Negro, de Abdias Nascimento, que ocorrerá no dia 22 de março, com o performer Milsoul Santos do Instituto de Pesquisas e Estudos Afro Brasileiros (IPEAFRO), do Rio de Janeiro.
As inscrições podem ser feitas pelo site https://www.even3.com.br/FNAC. Já o credenciamento presencial ocorrerá no dia 18 de março, das 8 às 16h, no Foyer do Teatro Martim Gonçalves, mediante a doação de 1kg de alimento.
Aqueles que queiram participar das Rodas de Pesquisadores devem submeter seus trabalhos para uma comissão. As pesquisas devem ser enviadas para o e-mail inscricoesfnac@gmail.com.
Dentre os nomes que farão parte do 3º FNAC estão Emanuel Aráujo, artista plástico baiano e diretor do Museu AfroBrasil (SP), que participará da Conferência de Abertura do fórum no dia 18 de março, ao lado da antropóloga Ana Lúcia Lopes e do psicólogo Márcio Farias. Outro convidado é o filósofo carioca Renato Noguera – professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) – que discutirá no dia 19 de março, a partir das 10h, a tendência na filosofia brasileira chamada Afroperspectividade, que busca formular conceitos recorrendo às tradições africana e afro-brasileira. Esse conceito norteará as discussões do FNAC.
Referências baianas em discussões sobre negritude também fazem parte da programação, entre eles, Antônio Olavo, Jaime Sodré, Lindinalva Barbosa (CEAO, Pós-Afro), Iraildes Nascimento (dir. Escola Ilê Axé Opo Afonja) e artísticas como Gabi Guedes e Nara Couto.
Além da ampliação para as outras linguagens, nesta edição o Fórum traz artistas da África e América Latina como Emo de Medeiros – artista plástico e performer de Benin – e Neo Muyanga – compositor e músico da África do Sul, numa parceria com o Goethe Institut.
Alguns espetáculos fazem parte da programação: Pele Negra, Máscaras Brancas, montagem da Cia de Teatro da UFBA, que faz a abertura artística do FNAC, no dia 18 de março, às 19h, no Teatro Martim Gonçalves; Ziriguidum, da Cia de Dança da UFBA, no dia 19 de março, às 19h, no TMG; haverá ainda nos dias 22 e 23 de março a montagem Afronte | Akulobee, espetáculo de formatura em direção teatral de Thiago Romero (Teatro da Queda), na Casa Rosada.
O experimento cênico TRAVESSIAS … ciclos transatlânticos é a quarta montagem que faz parte da programação do evento com apresentação marcada para o dia 21 de março, às 19h, no Teatro Martim Gonçalves. A encenação e direção é de Tássio Ferreira (Grupo de Pesquisa e Extensão AFRO(en)CENA, da Universidade Federal do Sul da Bahia – UFSB).
Mudanças
Em 2019 o FNAC mudou de nome e deixou de se chamar Fórum Negro das Artes Cênicas para se
chamar Fórum Negro de Artes e Cultura. “Ele muda de nome para afirmar a questão da nossa extensão para além das artes cênicas. O foco principal é estender para outras linguagens, não só artísticas”, explica Alexandra Dumas.
Ao trazer a temática Xirê dos saberes: (Re) Conhecer, Existir o FNAC busca a construção de epistemologias e referências estéticas negras. Incluir, por exemplo, os saberes vindos da oralidade e que estão fora da academia.
Influenciado pelas teorias de Frantz Fanon, que será homenageado pela Cia de Teatro da UFBA com o espetáculo Pele Negra, Máscaras Brancas – título homônimo a sua tese de doutorado -, o FNAC irá discutir a respeito do processo de embranquecimento do povo negro no contexto colonial e suas mazelas.
Dumas explica que, para Fanon, o mundo ocidental só tem um destino e é branco. “Se só tem um destino branco para uma pessoa negra, isso pode gerar uma série de deformações e doenças. A pessoa negra vai buscando formas de embranquecer, através da linguagem, comportamento, estéticas, entre outras”.
Ela reforça que, quanto a cultura popular, há várias manifestações negras e quando a universidade esquece e só oferece referências brancas ela provoca um epistemicídio das referências negras.
“É inegável que a universidade se estrutura no modelo eurocêntrico. Se tomar como marco minha formação, fui estudante de graduação da UFBA, avançamos muito e isso é uma conquista de alunos negros e negras que têm exigido a presença de professores e temáticas negras dentro da universidade”, acrescenta Dumas.
O diretor da ETUFBA, Luiz Cláudio Cajaiba, declara que o fórum é resultado desta luta e que enxerga a realização do FNAC como um dos eventos mais importantes da Escola de Teatro. “Ele consegue agregar interesses que estão na pauta há muito tempo, tais como a abordagem de conteúdo afrodiaspórico nas disciplinas e demais atividades pedagógicas e artísticas da casa, que eram atendidas de modo isolado e pontual”.
As cartas redigidas pelos integrantes do fórum nas duas primeiras edições contribuíram para o redimensionamento das atividades, para o aumento do número de professoras e professores negros, para duas montagens da Cia com produção de conteúdo e elenco majoritariamente de negros e de negras.
Cajaíba pontua a relevância do selo da UFBA e das Unidades de Ensino que integram a organização, por sua tradição e respeito, num evento desta natureza. “É uma pulsação que envolve um discurso político e estético que é altamente convincente, também para os não negros, que passam a limpo seus valores e passam a questionar os vícios naturalizados pela sociedade”.
Dumas reforça que hoje a UFBA tem um grande contingente de alunos negros, principalmente a ETUFBA, e que a luta destes estudantes provocou o aumento da quantidade de professores negros que, atualmente, são três. “Ainda temos muito a conquistar. Precisamos pensar de que forma as ações do FNAC atravessam o currículo dos cursos e da Cia, para que não sejam ilhas isoladas”.
Licko Turle, que coordena o Fórum junto com Dumas e Stênio Soares, destaca que os estudantes negros ganham muito ao entrarem em uma universidade que já tem um fórum que os representa, já que não têm um currículo com componentes que foquem na cultura do povo negro.
“Quando chegam na universidade são recebidos por uma epistemologia branca e ao se depararem com referências negras no mundo das artes, se sentem representados, não se sentem tão violentados”, enfatiza Turle, ao pontuar que a meta, em 2020, é fazer com que todas as unidades da UFBA possam realizar o Fórum Negro.
O 3° Fórum Negro de Artes e Cultura (FNAC) é uma realização da Escola de Teatro, do PPGAC, com o apoio da Pró-Reitoria de Ações Estudantis, da Pro-Reitoria da Universidade Federal da Bahia, da FUNCEB e tem a coordenação de Alexandra Dumas, Licko Turle e Stênio Soares. O PPGAC também apoia financeiramente o FNAC.
Nesta edição, o Fórum conta com a parceria da Escola de Dança, Escola de Belas Artes, Escola de Música, Faculdade de Comunicação (FACOM), do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos (IHAC) e do Instituto de Filosofia. A produção é de Luiz Antônio Sena Jr, da DAGENTE Produções.