Entre tantos objetos de reflexão do homem alguns dentre eles são de uma ordem tal de complexidade que uma abordagem “reducionista”, isto é, aquela que parte da ideia geral de que a compreensão do todo pode ser deduzida a partir do estudo-análise das suas várias partes, deve ser abandonada, ou pelo menos, acoplada a compreensões mais amplas. Existem certos sistemas que não podem ser compreendidos a partir de suas partes. Ou seja, a dedução não se completa a contento. Ou, dito de outra forma, o todo não pode ser reduzido às suas partes. O clima é um deles, o comportamento do cérebro humano outro. Nosso ponto de partida é a de que a Cidade faria parte desse grupo de questões-sistemas que alguns vêm denominando de “complexos”. Talvez pela inflação na utilização desse termo, devamos substituí-lo por multifuncional, na medida em que uma multiplicidade de funções e variáveis (no sentido matemático e físico do termo) se inter-relacionam. Ademais a cidade não é um sistema natural, pelo menos não globalmente, é muito mais um sistema cultural, o que, a fortiori, nos leva a abordá-la de forma cada vez mais multifuncional, multivariável e porque não dizer multidisciplinar.
Quando escrevemos “multidisciplinar”, estamos afirmando que para abordarmos a cidade contemporânea, principalmente, precisamos ter um olhar a partir das inúmeras e, muitas delas bem sucedidas, disciplinas acadêmicas. Uma abordagem multidisciplinar, como nos ensina Milton Santos, “supõe a colaboração multilateral de diversas disciplinas”, porém “isso não é por si mesmo uma garantia de integração entre elas, o que somente seria atingível através da interdisciplinariedade”. Os estudos das cidades permitem, portanto atingir uma abordagem multidisciplinar, como colaboração direta entre disciplinas distintas, e uma abordagem interdisciplinar como forma de integração das disciplinas versando sobre uma mesma meta de estudos. Esse é um dos motivos que nos fazem propor que a Área de Concentração “Estudos das Cidades” hora apresentada pelo BI de Humanidades esteja conectada com outros dois Bacharelados interdisciplinares do IHAC: Saúde e Artes.
Podemos dizer que a filosofia, a ciência e a arte, formam um tripé que poderíamos chamar de tripé dos universos simbólicos do humano. As três, antes de serem o “espelho da natureza”, na bela expressão de Rorty, são na verdade construções, criações humanas como tentativas de aproximação do “real”. Nesse sentido cada uma delas cria, constrói mundos, realidades, são constructos aproximativos; para dizer como os filósofos, são “representações”, não que com isso tenhamos que admitir uma qualquer que seja visão metafísica do mundo. Não há nada abaixo ou acima desse mundo humano, construção nossa. As verdades são nossas, a natureza não tem nada a ver com isso. Às filosofias cabe construir conceitos, variações; às ciências cabe construir funções, variáveis; por seu turno à arte cabe construir perceptos, variedades. A cidade, a nosso ver, é esse composto heterogêneo e múltiplo de conceitos, funções e perceptos; de variações, variáveis e variedades
Daí nossa insistência de que os estudantes dos BI’s de Humanidades, Saúde e Artes possam se matricular nessa Área de Concentração. No nosso entender, os estudantes desses BI´s estão aptos, se interessados forem, em acompanhar tal Área. Tentemos averiguar melhor essas relações. No dizer de Milton Santos, o espaço é uma conjunção de “sistemas de objetos e sistemas de ações”. O objeto no sentido de physis, techné, natureza e técnica. Ações no sentido de práxis, ação sobre o nomos, sobre outros homens e sobre si próprio: política e ética. A cidade se reflete, portanto, nos quadros da técnica e da política. Mas a ação pode ser da ordem da poiética, da arte e da manufatura, portanto ela também é da ordem da estética, do belo e do feito. Questões múltiplas se avolumam. Técnicas, enquanto meio ambiente, energia, fluxos de coisas, homens e signos; poiéticas, enquanto intervenção estética imediata ou preservação do patrimônio no tempo; políticas, enquanto praxis na polis, intervenção sobre os rumos democráticos e republicanos da cidade. Assim percebe-se o quanto uma reflexão humanística é essencial para o estudo e a compreensão do objeto cidade.
De outro lado, os Estudos das Cidades possibilitam a construção/maturação dos elementos problematizantes que incitam a criação artística na cidade, a partir de intervenções críticas que revelem assim o caráter heterogêneo de suas formações. Nesse sentido, promove um conhecimento multidisciplinar e interdisciplinar acerca do panorama da produção do pensamento sobre a cidade e suas linguagens artísticas mais recentes, podendo articular os principais conceitos de intervenção artística/urbanística com as singularidades das questões urbanas.
A área se justifica também pela ampliação, ao longo do tempo, das políticas públicas, projetos e ações das esferas públicas Federal, Estadual e Municipal, principalmente com o Ministério das Cidades, com a municipalização das execuções de políticas, com as políticas de desenvolvimento local integrado e sustentável, com a expansão de novas e renovação das tradicionais bases produtivas em municípios de médio e pequeno porte, com a maior discussão sobre políticas de saúde pública, entre outros fatores oriundos da esfera governamental. Outra justificativa é a real necessidade de desenvolvimento, de implementação de estratégias, de programas de ação e de projetos de investigação voltados para a cidade e o urbano. É também importante a disseminação de informações sobre planejamentos, políticas, projetos e diagnósticos participativos. São estes instrumentos úteis na estruturação de propostas viáveis e sustentáveis para o desenvolvimento de alternativas tecnológicas e sócio-ambientais que minimizem a degradação das cidades.