Professor escreve sobre BBB10
O Caderno 2 do jornal A Tarde do dia 23 de março publicou um pequeno artigo do professor Leandro Colling, do IHAC, sobre o Big Brother Brasil (BBB), exibido pela Rede Globo.
Colling, que pesquisa as relações entre a cultura, a sexualidade e os gêneros analisou dois participantes do programa (Dourado e Dicesar). Leia a íntegra do texto abaixo:
Uma guerra de gêneros
Leandro Colling
Professor da Universidade Federal da Bahia e coordenador do grupo de pesquisa em Cultura e Sexualidade
Muitas pessoas que já escreveram sobre o BBB 10 disseram que o objetivo de fazer uma edição da diversidade sexual não foi alcançado porque Dourado, ao que tudo indica, é o participante mais “popular” do programa e é o grande favorito ao prêmio. Penso que, talvez, essa seja uma análise um pouco precipitada porque ela pressupõe, então, que a diversidade seria respeitada, ou melhor, que na diversidade não existem conflitos.
Ora, o que ocorre dentro e fora das telas é exatamente o oposto. Diversidade cultural (seja ela de gênero ou de qualquer outra “categoria”) nunca foi, infelizmente, sinônimo de respeito à diversidade, de convivência pacífica entre os diferentes. Por isso, não deveria nos causar tanta estranheza as reações dos participantes e também a reação dos telespectadores.
E não são apenas os telespectadores machistas e homofóbicos que estão reagindo e se identificando no programa através de Dourado. Dicesar, ao contrário do que parece à primeira vista, também tem muitos seguidores, pois já participou de vários paredões e até o momento não foi eliminado.
Na realidade, no BBB 10 está ocorrendo uma grande guerra de gêneros (e não de sexos), algo que não ocorreu nas edições anteriores. Dourado representa o “macho homem” e Dicesar, talvez para espanto de algumas mulheres e feministas, representa a “mulher”. O maquiador é quem mais se aproxima da representação feminina no programa. Ele é tão ou mais mulher do que as demais mulheres que estão ou já passaram pelo programa. E causa tanta estranheza perante Dourado e seus seguidores porque o seu sexo biológico não é compatível com o que a nossa cultura atribuiu ao gênero feminino.
E mais: Dicesar desestabiliza Dourado e seus seguidores porque joga na cara dos machões outra verdade difícil de ser ouvida por eles: a de que a performance de gênero está presente em todos nós. Dicesar, montado como drag queen ou não, revela ao Brasil que o sexo biológico não precisa determinar ou não determina a identidade de gênero do sujeito. Ao fazer isso, nos mostra não apenas a sua performance de gênero, mas mostra que a atuação do machão é também uma performance.
Explico melhor: ao pensarmos o gênero como performance, não estamos sugerindo que tudo seja mentira ou que a cada dia o sujeito pode usar uma performance diferente. Não. A nossa performance de gênero é construída ao longo de nossas vidas, construção essa que não tem fim. Inclusive isso também fique evidente para o próprio Dourado, nos seus surtos de respeito aos gays do BBB 10. Estratégia do jogo ou não, o certo é que o machão não sairá o mesmo da casa, ainda que ele não perceba.
Por essas e outras questões, como pensar um eventual paredão final entre Dicesar e Dourado? Se isso acontecer, infelizmente, Dourado parece ser o favorito. “Mas então por que Jean Wyllys, também gay, já venceu?”, perguntam as pessoas. Jean possui uma performatividade de gênero mais compatível com o seu sexo biológico. Como disse acima, isso não ocorre com Dicesar. E é essa diversidade que as pessoas ainda custam a entender e a respeitar. Um gay que se comporta dentro de um modelo heterossexista até consegue vencer o BBB e sobreviver nas ruas sem ser violentado. Já quem fica no trânsito entre os gêneros, e goza nessa posição, tende a sofrer mais.
No entanto, como a cultura sempre está sempre em mutação, quem sabe o BBB 10 não nos ensinará mais uma lição e nos surpreenderá no final?