A Tarde destaca lançamento de livro promovido pelo IHAC
O jornal A Tarde desta segunda-feira, dia 9 de novembro, destacou o lançamento do livro do professor Eduardo Leal Cunha, que ocorre na próxima quarta, dia 11, às 17h, no auditório da Facom/UFBA. Além de uma entrevista, o jornal publicou uma resenha do livro, escrita pelo professor Leandro Colling, do IHAC (leia textos abaixo).
O lançamento é promovido pelo Programa Multidisciplinar de Pós-graduação em Cultura e Sociedade, pelo Instituto de Humanidades, Artes e Ciências professor Milton Santos (IHAC), pela Faculdade de Comunicação e pelo Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura (CULT). O evento foi aprovado como atividade de extensão do IHAC e, por isso, serão emitidos certificados aos inscritos. As inscrições poderão ser realizadas na hora.
No lançamento do livro, o psicanalista e professor da Universidade Federal de Sergipe, Eduardo Leal Cunha, fará a conferência Identidade, ética e subjetivação no mundo contemporâneo, seguida de coquetel.
Leia a entrevista e resenha publicados no jornal A Tarde:
NÃO PODEMOS NOS ORGULHAR DOS NOSSOS PRECONCEITOS
Eduardo Leal Cunha
CÁSSIA CANDRA
Partindo de um aparentemente despretensioso “quem sou eu?”, o psicanalista Eduardo Leal Cunha, um baiano de 44 anos, que atualmente ensina no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Sergipe, mergulhou em um debate profundo: o uso da noção de identidade no mundo contemporâneo. Este é o tema de Indivíduo singular e plural – A identidade em questão (Editora 7 Letras), que ele lança depois de amanhã, às 17 horas, no Auditório da Faculdade de Comunicação da Ufba.
Fruto de sua tese de doutorado em saúde coletiva,na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (o mestrado em teoria psicanalítica na ele fez na Universidade Federal do Rio de janeiro), a publicação se concentra na amplitude da discussão. Em seu curso, revela a agilidade intelectual do autor para dar conta das articulações que ajudam a provocar o debate em suas dimensões subjetiva, individual e política (que passa pelas identidades étnicas e nacionais).
Nesta entrevista, Eduardo Cunha fala do processo contínuo de construção e desconstrução da identidade e analisa a origem da exclusão e do preconceito, que, segundo ele, “limitam as nossas possibilidades de experimentar o mundo“. Membro do Espaço Brasileiro de Estudos Psicanalíticos e editor da Revista psicologia: ensino e formação, Eduardo havia frequentado o mercado editorial com O adultério em dez lições (Editora Planeta, 2004) e A psicologia entre indivíduo e sociedade(UFS, 2008), em co-autoria com Liliana da Escóssia.
Como se constrói a identidade?
Para começar, é preciso saber de qual identidade estamos falando, pois a ideia de identidade pode se referir a muitas coisas, da nossa própria identidade individual, referida a nosso nome e também a nosso corpo, como sendo aquilo que nos confere um caráter único frente a outras pessoas e também estável no tempo, aquele sentimento de que somos hoje a mesma pessoa que fomos ontem e seremos amanhã. Mas também pode se referir à nossa identidade nacional ou profissional. Posso ainda tomar a identidade como um sentimento ou signo de reconhecimento deque pertenço a determinado grupo e não a outro, baiano e não mineiro, por exemplo, ou amante de música erudita e não roqueiro. Em todos esses casos, o que há de comum é que a identidade é o que me permite descrever-me para mim mesmo e para o outro, fazer-me iguala uns e diferentes de outros. Ela também pode ser tomada, como propõe o sociólogo inglês Anthony Giddens, como uma narrativa, o enunciado responsável por garantir precisamente que sou único, íntegro, uno, e constante no tempo.
Então, é ao longo do tempo?
Sim, e está diretamente ligada a minha história pessoal, ao modo como interpreto e enuncio os acontecimentos que marcaram a minha vida.
Deste modo, ela também precisa ser permanentemente reajustada, sobretudo a partir do modo como é percebida pelos outros, nas relações com as outras pessoas, que reconhecem – ou não – a minha identidade e a legitimam ou a negam. Nesse sentido, o sentimento de identidade se aproxima da confiança que posso ter no outro e em mim mesmo, no julgamento que faço a meu respeito e que o outro, a cada momento, confirma ou desmente.
E a identidade dos grupos?
Neste caso, talvez o mais importante é que tal processo de construção da identidade implica necessariamente excluir certas pessoas deste grupo, ou seja, afirmar que somos de algum modo radicalmente diferentes e, portanto,em certa medida, inconciliáveis. É por isso que o estrangeiro, aquele que não posso reconhecer como igual ou simplesmente aquele que não compreendo, muitas vezes surge como ameaça.
Seu livro mostra a complexidade da exclusão. Como nascem o preconceito e a intolerância?
Nascem das mais diversas formas e certamente eu não conseguiria aqui tratar com a necessária profundidade nem mesmo de uma pequena parcela dessas formas. Mas acho importante dizer que na maioria das vezes nós nem mesmo percebemos que estamos nos tornando intolerantes ou agimos guiados por preconceitos. Já seria muito bacana se nós apenas prestássemos atenção no que fazemos e dizemos, e pudéssemos perceber o quanto de preconceito e intolerância está presente nos nossos atos e no nosso discurso. Mesmo porque o outro, aquele que se sente atingido, normalmente nos sinaliza quando isso acontece.
Prestar atenção nas reações daqueles com quem convivemos é quase sempre a melhor maneira de nos conhecermos melhor. Precisamos ter cuidado quando usamos o preconceito e a intolerância para nos proteger, para nos sentirmos melhor com o que somos e assim nos livrar da necessidade de mudar.
O preconceito é inevitável?
Todos nós os temos, e não há como não tê-los, eles até nos são úteis de vez em quando. O que não podemos é nos orgulhar dos nossos preconceitos, acreditar que eles são inseparáveis de nós ou até mesmo que eles nos tornam melhores. Isso é uma grande bobagem: os nossos preconceitos nos tornam piores e, provavelmente, menos felizes do que poderíamos ser. Os preconceitos limitam as nossas possibilidades de experimentar o mundo e nos afastam das pessoas, das quais precisamos não apenas para sentir prazer, mas para viver e nos sentir humanos.
O senhor sugere a política da singularidade para nos ajudar a resolver as diferenças de uns com os outros. Como é isso?
Trata-se de imaginar formas de existência que abram mão do tipo de proteção que as identidades oferecem; que abram mão de manter o outro, o diferente, à distância, para que a proximidade com a diferença nos torne também, a cada dia, diferentes, capazes inclusive de nos movimentarmos com mais liberdade em um mundo que não para de mudar. Imaginar modos de ser nos quais a liberdade signifique não a liberdade de escolha, como numa loja de departamentos ou em um supermercado,mas a liberdade de deixar-se surpreender.
Isso não resolveria os problemas, mas talvez nos permitisse, ao admitir a presença do diferente, ao conviver com ele, encontrar formas menos violentas, de resolver nossos problemas. Usar as diferenças para a construção de um mundo mais interessante, e não gastar todas as nossas energias para nos defendermos do diferente, para segregá-lo ou mesmo eliminá-lo. A ideia de singularidade vem do filósofo italiano Giorgio Agamben e o termo exato é “uma singularidade qualquer”, pois a identidade traz consigo, e esse é outro dos seus não-ditos, uma pretensão hierárquica, ou hierarquizante: não apenas ser diferente dos outros, mas ser melhor do que eles. Defender a singularidade e a pluralidade é acreditar que um dia poderemos abrir mão das hierarquias, pelo menos das que se fixam e nos aprisionam, e sermos simplesmente diferentes, uns dos outros e até quem sabe de nós mesmos.
CADERNO2MAIS.ATARDE.COM.BR Leia outros trechos da entrevista com o psicanalista Eduardo Leal no blog do caderno 2 +
Por uma política da singularidade
LEANDRO COLLING
Professor adjunto do IHAC/Ufba
Quem sou eu? Mesmo sem perceber, somos incitados a responder, com cada vez mais frequência, essa pergunta. Partindo disso, o psicanalista Eduardo Leal Cunha inicia o livro da sua tese de doutorado, Indivíduo singular plural – A identidade em questão, sob a orientação de Joel Birman, que assina a orelha da obra.
Leal faz uma rigorosa leitura e análise da obra do sociólogo Anthony Giddens. Depois, passa a dissecar as lacunas e influências teóricas do pensamento de Giddens e, aos poucos, aciona uma série de outros autores, alguns bem conhecidos do público, como Freud, Bauman, Foucault, Barthes e Marcuse, outros nem tão presentes em nossas bibliotecas, como Giorgio Agamben, Judith Butler, Theodor Reik, para citar alguns.
Didático – Essa lista de autores pode espantar alguns leitores. Livros ditos “acadêmicos” são considerados chatos por muitas pessoas. E alguns deles são mesmo, inclusive porque são mal escritos. Muitos autores são pernósticos e presumem que o leitor já tenha lido a obra dos citados. Esse, definitivamente, não é o caso do livro de Leal.
No entanto, não espere um panorama raso das obras com as quais ele dialoga. Leal consegue como poucos no Brasil, a exemplo do seu orientador, escrever de forma didática, clara e atraente tanto para iniciados quanto para iniciantes, desde que eles efetivamente estejam interessados nas temáticas em questão.
Mas o que defende Leal? De modo sucinto: Leal critica a tese de Giddens, para quem o homem contemporâneo, ao sofrer os impactos da modernidade tardia, produz uma narrativa do eu coerente e consciente, com vistas a garantir a adequação desse eu frente à realidade.
Leal aciona os autores para dizer que essa narrativa do eu coerente não é possível e talvez nem seja a melhor alternativa para o sujeito. Depois de Freud, que apresenta também com rigor, essa narrativa só seria possível através da exclusão e do recalque das fantasias inconscientes.
Gêneros – Leal usa Butler, apenas para citar mais um exemplo do seu estudo, para dizer que essa narrativa, em especial nas questões de gênero, só poderia ser realizada através dos gêneros que a sociedade já considera como aceitos, “naturais”, saudáveis, ou seja, aqueles que são inteligíveis.
E o que Leal propõe? O psicanalista não foge da questão. E aqui talvez resida uma de suas mais significativas colaborações para as reflexões sobre as políticas identitárias, na Bahia já bem conhecidas através dos movimentos negro, feminista e gay.
Leal aponta a contingência dessas políticas que apostam em categorias fixas, em representações identitárias dominantes.
Mostra exatamente como essas políticas geram também exclusões e novas formas de racismo, misoginia e homofobia.
Sem heróis Leal, bebendo nas reflexões de Foucault, combinadas com Agamben e outros, propõe uma política da singularidade, na qual o desejo, a liberdade, a hospitalidade sejam governados por Eros, como um ato amoroso.
Essa política, diz , ocorre “nos pequenos atos, pequenos enfrentamentos, pequenas vitórias ou derrotas (…) fora do grande cenário, à margem (…) sem heróis. Política sem a arrogância dos discursos vitoriosos que podemos chamar de ideologia”.