UFBA reconhece o Notório Saber de Megaron Txucarramãe para o título de doutor em Cultura e Sociedade

UFBA reconhece o Notório Saber de Megaron Txucarramãe para o título de doutor em Cultura e Sociedade

Megaron Txucarramãe durante vigília indígena no Congresso Nacional por ocasião da votação do capítulo Os Índios na Constituinte. Foto: Beto Ricardo/ISA

Na tarde da última terça-feira, 15 de abril, o Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão (CONSEPE), reunido na Reitoria da UFBA, aprovou a proposição do reconhecimento do título de Notório Saber em Cultura e Sociedade para Megaron Txucarramãe.

A proposta teve origem no Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade (Pós-Cultura), do Instituto de Humanidades Artes e Ciências Professor Milton Santos (IHAC), com base em parecer de comissão composta pelos seus docentes permanentes Felipe Milanez, Djalma Thürler e Leonardo Costa, para a concessão do título de notório saber a Megaron Txucarramãe. A comissão aprovou o reconhecimento a partir do memorial intitulado “Amansar o Branco”, acerca da trajetória do líder indígena Megaron Txucarramãe, cacique do povo Mẽbêngôkre-Kayapó da aldeia Piaraçu.

“Amansar o Branco” foi co-escrito por Megaron Txucarramãe com o professor Felipe Milanez, apoiado por suas filhas Matavitsa Kena e Mayalú Kokometi, seu filho Matsipaya, e da indigenista Maria Eliza Leite. É baseado em uma série de depoimentos e entrevistas realizados entre 2021 e 2024, transformando a oralidade de suas memórias em um documento escrito de grande importância histórica. Conta com carta de apoio de seu tio, o grande líder indígena cacique Raoni, pelo Instituto Raoni.

A iniciativa dá seguimento ao Programa de Saberes Tradicionais e Culturas Populares da UFBA, promovido pela Pró-Reitoria de Extensão (PROEXT). Na última sexta-feira, 11 de abril, na Reitoria, foi realizada a cerimônia de outorga de cinco títulos, entre eles para o pajé Jaguriça, do povo Pankararu Opará. Atualmente a UFBA conta com 10 professores visitantes por Notório Saber, incluindo as professoras indígenas mestra Maya Tupinambá e mestra Japira Pataxó, com doutorados reconhecidos pela UFMG.

Mekaron-ti

Megaron Txucarramãe é indígena do povo Kayapó-Mẽbêngôkre. Nasceu no final da década de 1950, antes do contato de seu povo com os irmãos Villas Bôas, tendo tido na infância a experiência de viver o isolamento, como a última geração de seu grupo (alguns outros grupos Kayapo tiveram contatos posteriores, no Pará, com o sertanista Chico Meireles, e hoje ainda há dois grupos isolados deste povo). Em 1964, ainda criança, ele foi enviado por seus pais e tios, entre eles cacique Raoni, para trabalhar com os sertanistas Orlando e Leonardo Villas Bôas, no Parque Indígena do Xingu. Orlando queria treinar crianças kayapó para aprender a defender os direitos de seus povos, enquanto os indígenas queriam que algumas crianças aprendessem português para ajudar na interlocução entre estes mundos, para que conseguisse mercadorias de que necessitavam, e fossem defensores de seus direitos no mundo dos brancos. Se teve na infância a educação tradicional Kayapó, interrompida para seu envio ao posto Leonardo, ele foi formado no indigenismo trabalhando neste posto do Parque Indígena do Xingu (que tinha sido criado em 1961), junto de outros meninos de diferentes etnias, aprendendo trabalhando como funcionário. Tornou-se um dos maiores líderes indígenas da Amazônia e do Brasil.

Em sua longa trajetória de liderança indígena, participou de trabalhos de campo com sertanistas do Serviço de Proteção ao Índio (e Fundação Brasil Central, órgãos anteriores à criação da Funai) de estabelecimento de primeiros contatos com povos em isolamento. Participou como articulador, liderança e protagonista das lutas pela demarcação das terras indígenas, demonstrou coragem e grande habilidade política ao enfrentar a truculência e violência da ditadura militar em episódios de guerras contra os Kayapó e povos vizinhos do Xingu. É marcante seu relato dos conflitos com a fazenda Agro Peixim, e o conflito que foi chamado de Guerra da Balsa, no final da ditadura- militar, entre o regime e os povos Kayapo.

Foi o primeiro Diretor indígena do Parque Indígena do Xingu, em 1984, e servidor da Funai até 2011. Foi tradutor dos grandes líderes do povo Kayapó em históricas negociações em Brasília, como a da Guerra das balsas, da Constituição Federal em 1988, das demarcações das terras Kayapó nos anos 1990. E um exímio diplomata e liderança por décadas, sempre defendendo a cultura e a vida indígena, participando de operações de expulsão de garimpeiros, de madeireiros, fazendeiros e outros invasores.

É defensor da cultura dos povos indígenas, da alimentação tradicional, da proteção da floresta. Foi incansável lutador contra a construção de barragens no rio Xingu. Com grande habilidade de expressão e fala, desde que passou a trabalhar como diretor da Funai e coordenador de administrações regionais, foi um extraordinário interlocutor com autoridades de todas as esferas do estado, e tem uma ampla circulação internacional por foros de defesa dos direitos humanos, com falas na ONU, na Assembleia Nacional da França, sendo recebido por chefes de estado de diversos países. É um ancião reconhecido e sempre presente nas mobilizações indígenas e um exemplo para todos os povos indígenas. Foi escolhido como sucessor do cacique Raoni e é reconhecido como uma das maiores lideranças indígenas do país.

Hoje Megaron uma voz fundamental nos debates em torno da defesa do artigo 231 da Constituição Federal e no enfrentamento a ameaças legislativas de retrocesso dos direitos indígenas, como a proposta racista de anistia do “Marco Temporal”. Sua maior luta hoje é pela demarcação da Terra Indígena Kapot Nhinore, onde nasceu seu tio Raoni e onde ele cresceu com sua família.