O Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos como lugar e processo de espacialização

Sergio Coelho Borges Farias
Professor Titular e Diretor do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da UFBA

Ao questionar como nos situarmos diante da divisão clássica entre geografia humana e geografia física, no seu livro Metamorfoses do espaço habitado (Edusp, 2008), Milton Santos faz algumas afirmações que nos remetem ao projeto de re-estruturação curricular lançado em 2006 e implementado, no seio de alguns conflitos, na UFBA, em final de 2008, na gestão do Reitor Naomar de Almeida Filho.

A primeira afirmação do Prof. Milton Santos reforça a importância de uma formação interdisciplinar para o exercício de atividades profissionais na contemporaneidade, sejam elas quais forem. Na página 98, o Professor afirma que no processo de desenvolvimento humano “não há uma separação do homem e da natureza” e que “a natureza socializa-se e o homem se naturaliza”. Apresenta-se, assim, o desafio de aproximarmos dois grandes campos, tradicionalmente separados, regidos pela predominância da racionalidade científica: Saúde, Ciência e Tecnologia de um lado e Humanidades e Artes de outro.

No IHAC, as inter-relações desses dois grandes campos têm sido buscadas através dos Estudos sobre a Contemporaneidade e através de componentes curriculares denominados “culturas” (científicas, humanísticas, artísticas) que os estudantes dos quatro Bacharelados Interdisciplinares são levados a cursar. Mais que isso, componentes curriculares, criados no IHAC, apontam para essa integração, por exemplo: Saúde e Cidade; Artes e Mundo Digital; Estudo dos Poderes; Saúde, Educação e Trabalho; Cidades, culturas híbridas e corporeidade; Cultura e Desenvolvimento; Fundamentos de Nanociência e Nanotecnologia; Estudos do Capitalismo.

Partindo de trabalhos individualizados de grupos, hoje todos os indivíduos trabalham conjuntamente, ainda que disso não se apercebam” (p. 97), é a segunda afirmação do Prof. Milton que nos interessa destacar nesse momento.

Além do reforço à formação interdisciplinar, trata-se de um indicativo da importância do compartilhamento de saberes e da vivência dialógica, o que se busca implementar no IHAC através de metodologias diversificadas no sentido do desenvolvimento da autonomia do educando.

Uso da Ferramenta Moodle, criação de blogs por turmas para compartilhamento de trabalhos, utilização de netbook pelos estudantes durante determinadas aulas para acesso imediato à internet, aplicação de técnicas participativas grupais, como mesas-redondas e seminários, são recursos pedagógicos já em aplicação. Está previsto para o segundo semestre de 2011 um experimento com parte da carga horária de ensino a ser cumprida à distância por algumas turmas.

A paisagem do campus altera-se com uma formação interdisciplinar permeada pela prática intensiva da pesquisa e da extensão, com atividades realizadas pelo conjunto dos 54 professores do IHAC, reforçadas por um amplo Programa de Bolsas (Pibic, Permancer, PET etc.) e de Monitoria.

Dois Programas de Pós-Graduação em funcionamento completam essa paisagem artificial, arranhada pelos problemas cotidianos advindos da ampliação do espaço físico construído, que se instaura em ritmo muito mais lento do que o do aumento das vagas de ingresso.

Prof. Milton dizia que a paisagem natural, aquela ainda não mudada pelo esforço humano, praticamente não existe. “Se um lugar não é fisicamente tocado pela força do homem, ele é, todavia, objeto de preocupação e de intenções econômicas ou políticas. Tudo hoje se situa no campo de interesse da história, sendo, desse modo, social” (p.71).

A paisagem, para Prof. Milton Santos, é, portanto, “um conjunto heterogêneo de formas naturais e artificiais; é formada por frações de ambas, seja quanto ao tamanho, volume, cor, utilidade, ou por qualquer outro critério. A paisagem é sempre heterogênea. A vida em sociedade supõe uma multiplicidade de funções, e quanto maior o número destas, maior a diversidade de formas e de atores. Quanto mais complexa a vida social, tanto mais nos distanciamos de um mundo natural e nos endereçamos a um mundo artificial” (p.71).

É nessa paisagem complexa e heterogênea que os sujeitos exercem suas funções, através de profissões regulamentadas e de ocupações. A partir de 2012, estarão no campo do trabalho centenas e, logo em seguida, milhares de pessoas, com novo tipo de formação, mit-disciplinar. O ambiente artificial e heterogêneo da universidade se espalha, assim, pelas cidades, indo além do que o mercado pede.

Milton Santos alerta que, em cada momento histórico, “os modos de fazer são diferentes, o trabalho humano vai se tornando cada vez mais complexo, exigindo mudanças correspondentes às inovações” (p.74). Vivenciar a aprendizagem em variados campos do conhecimento, dentro da própria universidade, antes de fazer a opção por um percurso profissional ou por um aprofundamento do saber em nível de pós-graduação, é uma inovação para os jovens levados a escolher sua futura profissão aos 16 ou aos 17 anos. O que resulta disso, muitas vezes, após o ingresso, é a desistência da vaga, a saída do curso. A taxa média de evasão na UFBA chega a 47%!

A flexibilidade do currículo, aliada à Orientação Acadêmica e à abordagem interdisciplinar em boa parte dos componentes curriculares amplia as possibilidades de atuação do bacharel desde o processo de formação, na sua participação nas aulas, até o ambiente de trabalho. As formas físicas envelhecem por desgaste dos seus materiais. “Já o envelhecimento social corresponde ao desuso ou desvalorização, pela preferência social por outras formas” (p. 76). Para Milton Santos, o “externo e o interno, o novo e o velho, o Estado e o mercado, são três das grandes contradições” (p. 104).

Não existe um lugar onde tudo seja novo ou onde tudo seja velho. A situação é uma combinação de elementos com idades diferentes. O arranjo de um lugar, através da aceitação ou rejeição do novo, vai depender da ação dos fatores de organização existentes nesse lugar, quais sejam, o espaço, a política, a economia, o social, o cultural…” (p. 106)

Os Bacharelados Interdisciplinares e os novos currículos de cursos em dois ciclos tendo o B.I. como primeiro ciclo, são agentes de uma metamorfose do espaço universitário, e situam-se no eixo de formação de uma outra cultura. “O novo nem sempre é desejado pela estrutura hegemônica da sociedade. Para esta, há o novo que convém e o que não convém. O novo pode ser recusado se traz uma ruptura que pode retirar a hegemonia das mãos de quem a detém.” (p.106)

A chegada do novo causa um choque. Quando uma variável se introduz num lugar, ela muda as relações preexistentes e estabelece outras. Todo o lugar muda.” (p.107)

Cada lugar tem, pois, variáveis internas e externas. A organização da vida em qualquer parte do território depende da imbricação desses fatores. As variáveis externas se internalizam, incorporando-se à escala local. Até o momento em que impactam sobre o lugar são externas, mas o processo de espacialização é, também, um processo de internalização” (p.105).

As mudanças nos processos de seleção para ingresso, passando-se das provas do Vestibular para o ENEM, a oferta de Áreas de Concentração pelas diversas Unidades, as revisões dos currículos dos Cursos de Progressão Linear para incorporação dos egressos dos Bacharelados Interdisciplinares, a criação de cursos em dois ciclos, a discussão e inserção da mit-disciplinaridade em maior escala através dos estudantes de B.I. nas turmas das demais Unidades, são, portanto, elementos indicadores da espacialização do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos e dos seus cursos como processos de internalização e de metamorfose da nossa universidade.

Referência:

SANTOS, Milton. Metamorfoses do espaço habitado. S. Paulo: Edusp, 2008.