Texto para a Cerimônia de Posse na Direção do IHAC

O Instituto de Humanidades, Artes e Ciências completa agora dois anos de construção coletiva. Estou assumindo o cargo de Diretor porque aceito desafios.

Ingressei nesta Universidade, como estudante, em 1971, tornando-me professor aos 24 anos. No meu percurso total de 40 anos nessa Instituição, cada um dos cargos ocupados por mim anteriormente constituiu-se num curso superior. Aprendi a não esperar encontrar tudo pronto, com facilidade, tudo feito pelos outros. Reconheci que o mundo seria muito chato se os outros resolvessem tudo por nós. Descobri que numa Universidade tudo está a se construir, porque as possibilidades de crescimento são incomensuráveis e indescritíveis.

A qualidade das aulas e, consequentemente, da formação mit-disciplinar que pretendemos no IHAC, tem sido e continuará sendo uma constante preocupação, afinal, é a formação dos estudantes o principal sentido da existência dessa jovem Unidade, nem melhor nem pior do que as outras.

A cada dia nos deparamos com carências, impasses, dilemas. No IHAC fazemos pesquisa e extensão com a mesma intensidade com que nos dedicamos à formação dos estudantes. Hoje, no momento em que buscamos configurar e difundir nossa imagem pensamos ser importante fazermos uma reflexão sobre as bases de nossa existência. Vamos então aproveitar o presente evento, para que o mesmo possa ir além do seu caráter de cerimônia.

As limitações de campos de saber contemplados nos projetos pedagógicos de cursos profissionais provocam um descompasso entre a rigidez da formação e as amplas e diversificadas competências requeridas pelo mundo do trabalho em consonância com os desafios educativos da sociedade do conhecimento e da comunicação;

A precocidade na escolha da carreira aparece como um dos fatores determinantes da evasão de estudantes, que por vezes deixam a instituição por desencanto com os estudos. Essa precocidade na escolha do curso profissional que irá marcar toda a sua vida adulta leva também, aquele que se graduou, à inserção no campo do trabalho em área diferente daquela em que se formou.

Esses foram alguns dos pressupostos para a criação de um modelo de formação superior mais abrangente, mais flexível, mais integrador, como os Bacharelados Interdisciplinares. Trata-se de um desafio à “epistemologia linear reducionista da tecnociência” e ao “viés profissionalizante, pragmático e imediatista da escola de terceiro grau” (UFBA, Memorial da Universidade Nova, 2010, p. 303).

“Trata-se, no geral, de uma estrutura modular, interdisciplinar, flexível e progressiva, com garantia de mobilidade intra e inter-institucional. Dessa forma, os cursos de primeiro ciclo podem ser apreciados como uma nova modalidade de cursos plenos de graduação não-profissionais, flexíveis e multifuncionais: terminais para estudantes que em princípio não almejam um diploma profissional, possibilitarão, aos que queiram, a continuidade da formação em cursos de carreira profissional da Universidade. Posto que o B.I. preenche todos os requisitos de uma formação superior plena, seu diploma permite acesso direto ao nível mestrado, evidentemente condicionado à aprovação em processo seletivo próprio.” (UFBA, Op.cit., p. 175).

Uma pergunta nos acompanha desde o início dos debates que levaram aos currículos dos Bacharelados Interdisciplinares, que oferecem ao estudante uma margem de liberdade de cerca de 70% na escolha das matérias. A pergunta é: como vamos combinar esses currículos com uma estrutura acadêmica e administrativa montada para currículos que fazem o contrário, estabelecem cerca de 70% de matérias obrigatórias?

O Projeto UFBA Nova, lançado em 2006 no segundo mandato no Reitorado do Prof. Naomar de Almeida, constava dos seguintes tópicos:

– Abertura de programas de cursos experimentais e interdisciplinares de graduação, que poderiam ser não profissionalizantes ou não-temáticos, com projetos pedagógicos inovadores, em grandes áreas do conhecimento;

– Programas de renovação do ensino de graduação, por meio de projetos acadêmico-pedagógicos criativos e consistentes, reduzindo as barreiras entre os níveis de ensino como, por exemplo, oferta de currículos integrados de graduação e pós-graduação;

– Reformas curriculares nos cursos que ainda não haviam apresentado propostas de atualização do ensino de graduação.

O Projeto UFBA Nova tornou-se Projeto Universidade Nova a partir da sua divulgação no âmbito da Associação Nacional de Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior – ANDIFES, ganhando apoio do Ministério da Educação, que elaborou um programa em escala nacional, que passou a se chamar REUNI – Programa de Apoio a Planos de Expansão e Reestruturação das Universidades Federais. O mesmo compreende, em termos práticos, um programa de ampliação física e reestruturação pedagógica do sistema federal de educação superior.

Como era de se esperar, a proposta ganhou adeptos fervorosos e críticos ferrenhos. Num ambiente onde o debate de idéias está sempre tão presente, uma proposta de renovação como essa não poderia ser adotada com absoluta tranqüilidade…

Após dois anos de implantação, necessário se faz uma avaliação criteriosa do Programa REUNI na UFBA, e é isso que propomos nesse momento aos Conselhos Superiores, no sentido de abordarmos os mais variados aspectos: Finanças, Infra Estrutura Física, Recursos Materiais,

Pessoal docente e técnico-administrativo, Bacharelados Interdisciplinares, Cursos Superiores de Tecnologia, Ações Afirmativas, Assistência Estudantil, Reformulações Curriculares, Recursos Pedagógicos Tecnológicos, Impactos na Formação do Estudante…

“Num tempo marcado pelo dinamismo e pelo intenso deslocamento de pessoas no espaço real e virtual, em conseqüência de uma vasta rede de relações institucionais e pessoais que se estende por todo o planeta, é inaceitável que instituições superiores de educação preservem currículos que dificultam a mobilidade de estudantes entre cursos e instituições” (UFBA, op.cit., p.172).

Entretanto, algumas barreiras estruturais vêm se interpondo ao nosso projeto de reestruturação curricular, que inclusive dificultam a mobilidade dos estudantes entre os cursos. Por exemplo, as transferências de estudantes entre os B.I. e até mesmo a mudança de turno dentro de um mesmo B.I., não são ainda permitidas pelas instâncias competentes da UFBA, depois de dois anos de criação desses cursos, o que revela um descompasso entre o que foi aprovado como projeto e o que acontece na prática.

Quanto aos currículos, segundo o Projeto original, todos os cursos deveriam adequar os seus projetos pedagógicos de forma a contemplar os princípios estabelecidos no REUNI, nos seguintes sentidos:

– manter regime de progressão linear, com ingresso específico para cada curso;

– introduzir regime de dois ciclos de graduação (B.I. + 1/2/3 anos) 

– desenvolver formatos híbridos ou convergentes, acolhendo egressos dos Bacharelados Interdisciplinares. 

Portanto, medidas precisam ser adotadas pela Administração Central no que se refere a uma participação geral em possíveis reformulações curriculares dos Cursos existentes, para integração dos egressos dos Bacharelados Interdisciplinares. Estamos começando a encaminhar essa questão, junto a alguns Colegiados, com o apoio da Pró-Reitoria de Graduação.

Não há, de modo nenhum, uma contraposição entre Bacharelados Interdisciplinares e Cursos de Progressão Linear, pelo contrário. A razão da existência do IHAC, além de colocar no campo do trabalho sujeitos com formação mit-disciplinar, é a possibilidade de uma formação geral inicial, associada à continuidade dos estudos numa segunda graduação ou em pós-graduação.

Somos, portanto, parceiros das demais Unidades nas pesquisas científicas, nos debates de caráter humanístico e nas composições artísticas. Como não poderia deixar de ser, um locus mit-disciplinar tem que estar articulado com os ambientes de todos os saberes específicos.

Para nós, o IHAC não é apenas mais uma Unidade, também não é uma nova universidade dentro de uma velha ou antiga universidade. Só renovamos a UFBA se seguimos todos juntos. A novidade e a inovação estão em todos os espaços, no desejo sempre presente de aperfeiçoamento de uma educação pública, de qualidade.

Por isso a palavra-chave que nos guia é diálogo.

O IHAC é mais uma peça num grande sistema federal de ensino. Uma peça tão importante quanto as demais Unidades que compõem a UFBA.

A Universidade Nova não é o IHAC. A Universidade Nova é aquela que, em 2008, em meio a grandes debates e conflitos, possibilitou a experimentação através do desafio de uma proposta de expansão e de reestruturação curricular. Cabe destacar o papel do então Reitor Prof. Naomar de Almeida Filho, cujo empenho e cuja habilidade apontaram para a renovação das estruturas curriculares na UFBA. Contamos com ele no IHAC para intensificação de nossas relações institucionais no Brasil e no exterior e para a consolidação do Centro de Estudos sobre Universidade, já criado.  

Os objetivos referentes à implementação de um sistema curricular específico, o dos Bacharelados Interdisciplinares, somente serão atingidos pelo IHAC em estreita cooperação com as demais peças da engrenagem acadêmica, tanto os Colegiados de Curso quanto as Congregações das Unidades e os Conselhos Superiores, sem falar, é claro, na Administração Central, da qual certamente continuaremos tendo apoio para seguir com esse projeto.

Nesses dois anos de existência, com participação de toda a sua comunidade, O IHAC configurou-se com um sistema de funcionamento que logicamente deverá ser aperfeiçoado. Já existe um Programa de Orientação Acadêmica e Profissional, um Laboratório de Tecnologia Educacional e Multimídia e um setor de Intercâmbios Internacionais.

A Coordenação de Extensão organiza as inúmeras atividades realizadas pelos docentes e buscaremos a intensificação das ações que envolvem diretamente a comunidade externa, que se constitui também numa relevante fonte de saberes.

A Coordenação Acadêmica cumpre seu papel de Planejamento e supervisão operacional do sistema de ensino. Temos solicitado uma atenção especial da Administração Central para ajustes e reformulações das estruturas administrativas gerais, que foram programadas originalmente somente para os cursos de progressão linear.

O Centro de Estudos sobre Universidade – CEU, já desenvolve as bases conceituais e operacionais do segundo programa de Pós-Graduação da nossa jovem Unidade, sendo que o de Cultura e Sociedade, transferido de outra Unidade para o IHAC, encontra-se em pleno funcionamento há dez anos.

As pesquisas desenvolvidas por todos os docentes, todos eles em regime de Dedicação Exclusiva, estão sendo agrupadas em Linhas, e teremos anualmente um Seminário para apresentação e discussão dos trabalhos. O setor de Avaliação Permanente deverá ser ampliado em 2011, sendo que o mesmo já conta com a Avaliação dos Estágios Probatórios dos docentes recém-contratados e com a avaliação do desempenho docente para fins de Progressão Funcional.

Nos seus dois anos de existência, em que pesem as dificuldades de espaço, a comunidade ihac constituiu, portanto, uma Unidade Universitária completa. Mais informações sobre o que fazemos podem ser obtidas no site www.ihac.ufba.br .

Cabe ressaltar, nesse processo, a atuação do corpo técnico–administrativo do IHAC, que, embora com dimensão bem inferior à necessária, garante a sustentação de uma estrutura espacial e material para todas as atividades já mencionadas.

Nessas bases, reafirmamos os princípios do movimento de re-estruturação, renovação e re-encantamento da universidade expressos através de:

– Cumprimento da missão social, política e cultural da Universidade, com reafirmação permanente do caráter público da instituição, garantindo-se o acesso às diversas parcelas da sociedade;

– Respeito à diversidade, valorização do saber específico e da articulação de saberes, através da vivência da multi, da inter e da transdisciplinaridade;

– Competência de gestão dos recursos públicos para melhoria contínua dos serviços prestados e garantia da infra estrutura necessária às atividades de pesquisa, ensino e extensão.

Entretanto, a busca da excelência acadêmica requer, em primeiro lugar, uma atenção especial aos currículos no sentido de sua constante atualização, e da adoção de métodos participativos diversificados, com utilização adequada de tecnologias educacionais. É preciso buscar o desenvolvimento do senso crítico e usar técnicas pedagógicas orientadas para a autonomia, incluindo a educação à distância. Em segundo lugar é preciso refletir sobre os processos de avaliação da aprendizagem, para adequação dos instrumentos e dos critérios aos objetivos da formação pretendida.

Finalmente, a avaliação da atuação do docente, por parte do discente e da Congregação, seguindo parâmetros éticos, também dará subsídios importantes para a busca da excelência no ensino.

A dimensão do corpo docente do Instituto, prevista inicialmente com 61 professores, no Programa REUNI, deverá ser constantemente repensada, para que corresponda à dinâmica da produção acadêmica usual num projeto desafiador como o dos Bacharelados Interdisciplinares.

As relações estreitas e cooperativas com as demais Unidades são a base para o entendimento de que a modalidade de curso Bacharelado Interdisciplinar associada à idéia de uma graduação em dois ciclos é um projeto de toda a UFBA e não uma particularidade do IHAC.

Uma política e uma estratégia de comunicação social deverão ser adotadas, para que seja divulgada no âmbito da UFBA a possibilidade de participação efetiva de docentes de todas as Unidades, não somente do IHAC, na formação geral dos nossos estudantes, nos três primeiros semestres, e na sua formação específica, nas áreas de concentração, na segunda metade do curso de B.I.

As Áreas de Concentração de bases mit-disciplinares, criadas no IHAC, refletem as formações específicas dos professores que a elas se dedicam, e sustentam aspectos fundamentais da proposta original enviada ao MEC no âmbito do REUNI. Essas Áreas consolidam e aplicam em contextos sociais a formação inicial geral dos estudos sobre a contemporaneidade, devendo ser tão valorizadas quanto áreas oferecidas pelas outras Unidades.

Todas as Áreas de Concentração imprimem na formação interdisciplinar um diferencial importante para atuação no campo de trabalho, para o ingresso em cursos de progressão linear ou para avanço na formação em nível de pós-graduação.

Recapitulando:

Assumir a direção de uma Unidade de ensino público superior no Brasil é uma aventura apaixonante e desafiadora. A principal palavra-chave é o diálogo. Buscarei sempre a sintonia com os milhares de estudantes, os professores e os funcionários integrantes do IHAC, na condução das relevantes questões administrativas e pedagógicas. 

Neste momento solene, saúdo especialmente nossa Magnífica Reitora, Profª. Dora Leal Rosa, que todo apoio tem dado através de suas equipes de dirigentes, especialmente as da PROGRAD, SUPAC e SGC. Saúdo os membros dos Conselhos Superiores, o Prof. Albino Rubim, primeiro diretor do IHAC, a Profª Carmen Teixeira, vice-diretora Pro Tempore, cujo mandato se encerra hoje, e o Prof. Márcio Nascimento, vice-diretor eleito, companheiro de todas as horas.

Agradeço a confiança do Prof. Naomar de Almeida Filho que, enquanto Reitor, me nomeou Diretor Pro Tempore do IHAC em junho do ano passado.

Iniciamos o processo de escolha da Direção do IHAC em maio de 2010. De lá até a data da consulta à comunidade, no início de dezembro, realizamos uma série de Seminários para pensarmos conjuntamente nas questões que nos afligem e nos resultados já obtidos. Volto a mencionar aqui a Universidade como ambiente privilegiado de discussão de idéias.

Firmo aqui o compromisso, também em nome do Vice-diretor, Prof. Márcio Nascimento, de dedicar-me aos trabalhos de aperfeiçoamento do Instituto, correspondendo à confiança da comunidade do IHAC, que apoiou nossa candidatura através de 94% dos votos apurados. Houve apenas dez votos em branco e oito votos nulos. Alguns desses foram anulados porque continham frases de incentivo, e, apesar de anulados, eles foram muito bem vindos.

Enfim, convido todos os integrantes da comunidade UFBA para atuarmos juntos enfrentando os desafios atuais e, certamente, criando muitos outros.

Peço licença para terminar com palavras de Nelson Mandela que me foram passadas por uma querida colega, num dos momentos difíceis dessa trajetória:

“Nosso medo mais profundo não é o de sermos inadequados. Nosso medo mais profundo é que somos poderosos além de qualquer medida. É a nossa luz e não as nossas trevas, que nos apavora. Nós nos perguntamos: quem sou eu para ser brilhante, maravilhoso, talentoso, fabuloso?

Na realidade, quem é você para não ser?

Você é filho do Universo. Se fazer pequeno não ajuda o mundo. Não há iluminação em se encolher, para que os outros não se sintam inseguros quando estão perto de você. Nascemos para manifestar a glória do Universo que está dentro de nós. Ele não está apenas em um de nós, mas em todos nós. Conforme deixamos a nossa Luz brilhar, damos, inconscientemente, permissão para os outros fazerem o mesmo. E conforme nos libertamos do nosso medo, nossa presença automaticamente libera os outros.”

 Salvador, 7 de fevereiro de 2011

Sergio Farias